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Em tempos de retrospectiva: os tempos da pós-colheita

Já disse há muito o sábio rei Salomão em sua contemplação, no seu poético lamento acerca das circunstâncias que regem a vida dos peregrinos deste mundo que, para tudo que se possa imaginar e realizar, há um tempo determinado, seja pelos céus, seja pela natureza das coisas.

Concluiu o rei com sabedoria que, por mais que se queira e se esforce, nada e ninguém do tempo escapa e este, sobre tudo que passa, altivo e vitorioso se exalta em tudo fincando limites.

De forma acertada concluiu o sábio rei que não há atrevimento que supere e se sobreponha vitorioso aos ciclos de duração das coisas, sejam eles do céu, sejam da terra. Toda batalha contra a medida do tempo, que em tudo se intromete, dos ciclos e dos prazos das coisas que sobre o mundo se dão, percebeu o rei, termina em doloroso sacrifício e penosa lida donde nem sempre se sai com vitória.

O conhecimento e o reconhecimento de coisas tão simples e elementares que norteiam a humanidade, assim como os eventos da natureza, as regras, os tempos e os ciclos da vida, por mais simples e evidentes que pareçam, por vezes nos desafiam e são por nós desafiados com não pouco esforço.

Por conta disso nos embrenhamos nos estudos das mais variadas ciências, buscamos as mais engenhosas e mirabolantes técnicas e artifícios da engenharia, sempre no intento de refrear, retardar, alongar ou contornar a todo custo os efeitos da ação daquilo que não pode ser superado: o tempo.

Por essas bandas sul-americanas, passados mais de 2.500 anos da escrita de tão sábias ponderações feitas por Salomão, frequentemente recorremos também (e com muita necessidade) à engenhosos artifícios buscando contornar os efeitos inevitáveis da ação do tempo, esse que na sua altivez não nos perdoa nem nos dá trégua.

Me refiro aqui em mais detalhes às investidas que travamos, as vezes perdidas ou pelo menos não sem algum prejuízo, na área da pós-colheita e armazenagem, onde o tempo é variável da maior importância.

Quero me deter hoje, ao longo dessas linhas, à um tema fundamental na armazenagem de grãos: os limites dos ciclos, tempos e prazos que a natureza nos impõe e que, a menos que estejamos dispostos ao infortúnio, devemos observar com a maior atenção.

Para facilitar a compreensão e tornar esta leitura não tão monótona e cansativa ao caro leitor, irei separar alguns temas em tópicos, como que fazendo uma recapitulação para avivar a memória, onde o tempo – este invencível – é variável implacável nessa missão de armazenar:

O tempo limite para secagem

Se há, como bem discerniu o sábio rei Salomão, tempo de plantar e tempo de colher, por certo que o mesmo se dá também nas atividades que se seguem no pós-colheita. Tal é a coisa que um estudo realizado pelo Instituto de Agricultura e Recursos Naturais da universidade de Nebraska, Lincoln – EUA, apontou os tempos e prazos limites para se realizar a secagem de grãos de soja vindos da lavoura a níveis seguros de modo a evitar perdas nos índices de qualidade da oleaginosa. As conclusões a que chegaram seguem na tabela a seguir (tabela 1):

Tabela 1: Tempo em dias para secagem da soja.

Como podemos ver, de acordo com as pesquisas realizadas, grãos vindos do campo com teores de umidade entre 14-18% resistem à um limite de 40 dias, enquanto entre 18-20% esse prazo já se encurta para 20 dias para se realizar a secagem, isto nos países do norte.

Há de se considerar, entretanto, que estes prazos – o tempo – devem ser ligeiramente encurtados em nossas regiões sul-americanas, fazendo-se caso de nossa condição climática subtropical notadamente mais quente, a qual propicia o aceleramento de processos de degradação dos grãos.

O tempo seguro de armazenagem

Tendo em consideração o tempo limite que a natureza nos dá para a secagem dos grãos vindos da lavoura, temos também este intransigente fator bem presente durante a armazenagem. Neste caso, porém, o tempo se amolda, se encurta ou prolonga – não sem limite – conforme a condição à que mantemos o produto que se armazena.

Daí que variáveis já nossas bem conhecidas se fazem de grande importância: teor de umidade e temperatura do produto estocado. Estas, conforme se aumentam ou diminuem, dão ao tempo (de armazenagem) maior ou menor extensão no calendário.

Estes estudos já nos são velhos conhecidos, presentes nas páginas de muitas literaturas, mas que aqui os repito, visto estarem atrelados a esse nosso tema que por hora discorremos, o tempo.

A seguir apresento também uma tabela onde se informa o tempo limite para a armazenagem segura considerando-se neste caso o teor de umidade (tabela 2) do grão:

Tabela 2: Teor de Umidade para armazenagem sem risco.

Como se pode ver facilmente, para um período de armazenagem mais prolongado, se faz necessário um teor de umidade mais reduzido.

Observando-se a soja, podemos armazenar de forma segura (considerando baixa temperatura de armazenamento) por cerca de um ano grãos com teores de umidade de até 13%. Para exceder um ano, o limite de teor de umidade deve ser reduzido para até 11%, considerando-se obviamente baixa temperatura de conservação.

Vemos que, obedecendo as leis da natureza e seus limites, podemos aumentar a régua do altivo tempo tirando-lhe talvez alguma vantagem.

O tempo para entrada em equilíbrio higroscópico

Nessa empreitada constante por ganhar aumento de dias nos prazos limites a que se pode armazenar de forma segura, estabelecer o adequado teor de umidade da massa de grãos de forma a encontrar condição de equilíbrio com o ar intersticial também nos exige submissão a esse altivo e indomável, o tempo.

Nesse sentido, já de longa data as literaturas apresentam estudos que demonstram o tempo o qual o produto armazenado pode requerer para que consiga encontrar situação de equilíbrio com determinada condição de temperatura e umidade relativa intersticial.

Pode-se notar, conforme o gráfico a seguir (gráfico 1) que, a depender da condição, podemos ir de poucos dias a algumas semanas até que tal condição de equilíbrio seja devidamente alcançada.

Gráfico 1: Tempo em dias para entrada em equilíbrio higroscópico.

Observando as curvas apresentadas no gráfico, no experimento feito com grãos de trigo, podemos perceber que sob teores de umidade já próximos da umidade relativa de equilíbrio podemos contabilizar vários dias (ou até mesmo semanas) para que, finalmente, o grão encontre a condição plena de equilíbrio com a situação ambiente.

Vemos assim que a própria natureza demanda seu prazo – o tempo – para que tudo esteja finalmente em plena harmonia. Considerar tais situações se tona de notável importância, especialmente quando aplicadas certas tecnologias de monitoramento baseadas nas análises de condições e características do ar intergranular. Percebemos aí, mais uma vez, a paciência e a consideração que se há de ter com esse soberano, o tempo.

O tempo para elevação de temperatura

Não bastasse toda a dificuldade que se enfrenta para que, a muita custa e desprendimento de recursos, se consiga finalmente resfriar o produto armazenado, este por sua vez e por sua própria natureza, como um irracional teimoso (como se houvesse nisso algum cabimento), insista em novamente tornar a aquecer. E novamente aí, de modo a não dar ao armazenador nenhum descanso, em questão de dias e horas, como que contando o tempo, novamente se volta a aquecer.

Tal característica também já foi há muito percebida e cuidadosamente estudada ao longo dos anos, sendo apresentada em muitas literaturas para que a ninguém pegue desprevenido.

O tempo que leva para aquecer certa temperatura, seja em dias ou horas apresentada a conta, varia de produto para produto, conforme a sua condição de conservação no que concerne à temperatura e teor de umidade de armazenamento.

A seguir temos um compilado de alguns diferentes cereais e os tempos que necessitam para elevar sua temperatura numa escala de 05°C partindo de diferentes temperaturas e teores de umidade, conforme se segue na tabela (tabela 3):

Tabela 3: Tempo em horas para elevação de temperatura.

Como se pode notar, grãos de milho com teor de umidade de 16% a 15°C levam cerca de 400 horas para elevar-se em 05°C a sua temperatura. Já com teor de umidade em 16% a 25°C são necessárias apenas 100 horas para a mesma elevação de 05°C em sua temperatura.

Nota-se que, conforme a temperatura de armazenamento, temos tempos (ou prazos) diferentes para atingir determinado efeito. O que de melhor podemos fazer, estando isso em nosso alcance, é conhecer os limites que a natureza nos impõe e, por meio dos recursos disponíveis, retardar o máximo possível seus efeitos.

O tempo para perda de massa seca

Se temos períodos para plantio e colheita, prazos para secagem e armazenamento, tempo para entrada em equilíbrio e, também, para aquecimento, não se é de estranhar que se tenha também o tempo para acrescentar e avolumar o que se perde pela própria ação da natureza.

Nota-se que em tudo temos uma incessante corrida contra este soberbo e altivo tempo.

Também nisso já nossos veteranos cientistas se aperceberam e tal fenômeno estudaram, de modo que possamos saber, ainda que por estimativa, o prejuízo que cada dia acrescentado nos inflige.

Podemos ver uma estimativa como bases nesses estudos conforme mostrado nas tabelas (tabelas 4 e 5) que se seguem:

Tabela 4: Prazo para perda de 0,5% de matéria seca.

Tabela 5: Índice de quebra técnica mensal para produtos a granel – CEAGESP

Conforme foi levantado no estudo acima (tabela 4), podemos perceber que grãos de soja com 14% de teor de umidade a 20°C levam cerca de 2,8 meses para sofrer perda de 0,5% de massa seca devido seus processos metabólicos.

Com os mesmos 14% de teor de umidade, porém a 15°C o prazo para a perca de 0,5% de massa seca (da soja) se alonga para cerca de 05 meses.

Na tabela 5 temos também os valores mensais acumulados de quebra técnica para diversas culturas.

Mais uma vez torna-se notório que o tempo limite para o armazenamento é elástico e proporcional às condições de conservação a que o grão está sujeito, sendo temperatura e teor de umidade fatores chave.

O tempo limite para manutenção de índices de acidez

Se desejamos não sofrer as perdas que a própria natureza de forma implacável nos impõe por meio de seus limites, assim como já se percebeu até aqui com boa quantia de argumentos, respeitar os prazos contabilizados pelo tempo é questão incondicional.

Nisso temos também, nesse desafio de armazenar, os limites ditados pela condição de temperatura e teor de umidade (da soja, por exemplo) para que não sejam excedidos os limites aceitáveis de acidez do óleo quando no processo de extração na indústria.

Como levantado por pesquisadores da Universidade Estadual de Dakota do Norte, quanto mais baixo o teor de umidade e temperatura de armazenagem, maior o prazo (o tempo) de armazenagem e conservação da soja, mantendo-se assim os índices de acidez dentro dos limites para a utilização na indústria.

Na tabela a seguir (tabela 6), podemos notar que grãos armazenados com teores de umidade de 11% a 25°C permitem armazenagem ao longo de até 140 dias, enquanto com 14% (na mesma temperatura) reduzimos esse prazo para apenas 20 dias.

Tabela 6: Tempo aproximado para elevação da acidez em grãos de soja.

Podemos notar no referido estudo o impacto da temperatura também sobre a elevação dos índices de acidez.

Considerando grãos com teor de umidade de 14% a 25°C temos um limite de 20 dias para armazenagem sem incorrer em elevação da acidez. Já com os mesmos 14% de teor de umidade, porém a 20°C, nosso prazo de armazenagem passa de 20 para 45 dias.

Visto isso, temos aí uma dimensão dos desafios que nossa condição subtropical nos impõe para a boa conservação de grãos.

Como se pode ver, na arte da pós-colheita e da armazenagem, a natureza a tudo dita seus limites alongando ou diminuindo o tempo conforme nos amoldamos às características de cada produto armazenado.

Aquele que deseja escapar dos prejuízos e infortúnios impostos ao longo do tempo há de se adaptar, não lhe restando senão respeitar os limites e as leis que a natureza lhe impõe.

Em sintonia o diligente armazenador com as leis do tempo e da natureza, certamente lhe há de a sorte sorrir com maior benevolência.

Encerro assim essas linhas tornando às milenares palavras do sábio rei Salomão: para tudo há um tempo e um modo. E se assim é, quem contra ele não pode, que a ele se ajuste. Como diz a geração mais nova, no palavrório das gírias modernas, #ficaadica.

Marcos Wendt

Instrutor do Curso Excelência
em Conservação de Grãos
LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/marcoswendt/ 



Publicado na edição 123 da Revista Grãos Brasil https://www.calameo.com/books/007483885ca2030e10407

Marcos Wendt

Instrutor do TAG Treinamento em Armazenagem de Grãos LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/marcoswendt/

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