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O dilema do teor de Umidade da Soja

By 6 de abril de 2023abril 10th, 2023Agronegócio

umidade de armazenamento da soja

Já não são mais novidade alguma os debates que se estendem desde meados de 2021 entre produtores, armazenadores, exportadores e o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) quanto à polêmica em torno dos novos padrões comerciais para a soja brasileira, requisitados pelo mercado chinês, nosso maior comprador.

Conforme já vêm sendo difundido amplamente em vários canais de notícia ao longo do último ano, o mercado chinês vem pleiteando algumas alterações no padrão de comercialização para a soja brasileira, com objetivo de elevar os índices de segurança e qualidade da oleaginosa que chega àquele país.

Mais recentemente a qualidade da soja brasileira foi novamente colocada em questão pelo mercado chinês, agora sob a alegação de baixo índice de proteína, acalorando novamente os debates em torno dos novos padrões requeridos para a commodity.

O assunto vem sendo motivo de discussões desde o ano passado, envolvendo inclusive o Ministério da Agricultura, que então solicitou esclarecimentos ao mercado chinês quanto às reivindicações de alterações nos padrões de comercialização.

Já em 2022, no mês de fevereiro, buscando um consenso, o Ministério da Agricultura apresentou a proposta para revisão no padrão de classificação da soja (vigente desde 2007), o qual tem dividido opiniões e provocado intensos debates entre representantes da indústria e produtores.

Dentre as mudanças propostas, a que mais causou controvérsia até então, trata da redução no padrão atual de teor de umidade máximo admitido de 14% para até 13%, o que já vinha sendo requisitado pelo mercado chinês.

Essa redução em 01 ponto percentual vem por horas gerando divergências de opiniões entre indústria de processamento, produtores e armazenadores brasileiros que já de longa data convencionaram o padrão comercial de 14% de teor de umidade para a soja.

O teor de umidade do produto tem, dentre outros, impacto direto sobre o peso e interfere também no volume do grão.

Reduzindo essa variável, teremos certamente redução de peso e algum impacto sobre o volume dos grãos.

Isso significa dizer que serão necessárias mais unidades de grãos para atingir um determinado volume em m³, ao passo que será necessário também um maior volume em m³ de grãos para obter o mesmo peso em toneladas, por exemplo.

Resumindo à grosso modo, a redução no teor de umidade demandará uma maior quantidade de grãos para atingir o mesmo peso e volume.

Essa tem sido a grande preocupação de produtores, armazenadores e exportadores, pois em primeira análise representa redução no faturamento e na lucratividade, elevando inclusive o custo de produção por hectare.

Mas, seria essa mudança de todo ruim para o produtor e exportador brasileiro, ou temos aí também uma oportunidade de valorização da soja brasileira?

Se analisarmos os benefícios da adoção dos novos padrões em termos de qualidade da soja, temos uma possibilidade real de valorização, o que pode ser positivo para o produtor e exportador brasileiro.

A redução no teor de umidade, principal ponto da polêmica, traz consigo uma série de impactos benéficos sobre a conservação e manutenção dos índices de qualidade (inclusive proteína) dos grãos, o que deve resultar em vantagem tanto para o comprador quanto para o vendedor, que disponibilizará um grão mais saudável e nutritivo, consequentemente de maior valor agregado.

Dentre os benefícios que a redução desse 01 ponto percentual no teor de umidade pode trazer para a conservação dos grãos durante o pós-colheita e armazenagem, criando assim uma vantagem competitiva e valorização do nosso produto, podemos destacar aqui alguns:

 

Redução da atividade metabólica dos grãos: um dos primeiros benefícios na redução do teor de umidade está ligado à atividade metabólica dos grãos, a respiração.

A respiração (ou atividade metabólica) dos grãos tem impacto direto sobre a conservação do produto durante a armazenagem.

Quanto maior a atividade metabólica dos grãos, maior o calor gerado, maior a liberação de CO2, e maior a quantidade de água (umidade) liberada para a massa de grãos (figura 01), o que acelera ainda mais o metabolismo, culminando na deterioração do produto.

Efeitos da respiração dos grãos.

 

Com teores de umidade abaixo de 14% a respiração dos grãos diminui significativamente, contribuindo assim para uma melhor conservação.

Teores de umidade acima de 14% elevam drasticamente o metabolismo dos grãos, acelerando processos de deterioração, enquanto teores de umidade até 13% reduzem a atividade metabólica a níveis bastante discretos, proporcionando melhor conservação e manutenção dos índices de qualidade dos grãos.

A seguir um gráfico (figura 02) apresentando os índices de respiração e liberação de CO2 para vários tipos de grãos:

Liberação de CO2 em diferentes teores de umidade para várias espécies de grãos.

 

Apesar de não termos os dados específicos da soja no gráfico apresentado, podemos facilmente perceber uma certa similaridade no comportamento dos diferentes grãos, onde na maioria dos casos analisados a respiração praticamente dobra entre 12-14% de teor de umidade, o que nos serve em caráter orientativo.

 

Redução do aquecimento natural da massa de grãos: uma vez que temos um grão com uma atividade metabólica mais estável, por consequência teremos índices significativamente menores de liberação de CO2, energia (calor) e umidade, contribuindo para a melhor conservação da massa de grãos.

Quanto maior o teor de umidade, mais intensa a atividade metabólica e consequentemente mais rapidamente a massa de grãos irá aquecer, demandando assim um monitoramento constante das condições de temperatura e tornando necessárias operações de aeração mais frequentes, onerando o processo da armazenagem, elevando custos operacionais e consumindo lucros.

A seguir, uma tabela (figura 03) demonstrando o tempo necessário para a elevação da temperatura da massa de grãos em diferentes teores de umidade e temperatura iniciais para alguns tipos de cereais:

Tempo em horas para elevação da temperatura da massa de grãos.

 

Podemos observar que, quanto mais elevado o teor de umidade dos grãos, mais rapidamente a temperatura da massa de grãos se eleva devido a intensificação da atividade metabólica.

 

Redução do índice de quebra técnica: com um teor de umidade mais baixo e atividade metabólica de baixa intensidade, consequentemente teremos redução na emissão de CO2 e no consumo de matéria seca (que compõe as propriedades nutritivas e germinativas dos grãos), o que é denominado como quebra técnica.

Com índices de teor de umidade mais baixos os grãos têm tendência de atingirem um estado de dormência devido à redução de seu metabolismo, preservando assim sua estrutura física, mantendo suas qualidades nutritivas (dentre elas a proteína) e germinativas.

 

Redução da atividade da microflora: com teor de umidade mais baixo, teremos também a redução do potencial de desenvolvimento e proliferação de pragas da armazenagem de grãos.

Fungos, ácaros e insetos dependem de calor e umidade para seu pleno desenvolvimento. Reduzindo a umidade relativa da massa de grãos, obviamente teremos também uma redução do desenvolvimento e proliferação de pragas.

Perdas na armazenagem pela ação de fungos em teores de umidade de até 13% (umidade relativa de equilíbrio até 70% considerando grãos de soja) ou menos costumam ser muito pequenas, obviamente com temperatura também controlada.

Veja a seguir uma tabela (figura 04) apresentando condições ideais de Umidade para o desenvolvimento de fungos:

 

Condições ideais de umidade para desenvolvimento de fungos.

 

Maior viabilidade para aeração na armazenagem: levando em conta as condições do clima brasileiro de característica subtropical, a redução do teor de umidade para até 13% vai proporcionar também uma ampliação na janela de condições climáticas favoráveis para aeração (o que impacta diretamente a conservação de grãos), uma vez que teremos possibilidade de realizar aeração com umidade relativa ambiente menor, mais facilmente obtida especialmente em regiões de clima mais seco.

Em números médios, grãos de soja com teor de umidade na casa de 13% demandam umidade relativa de equilíbrio em torno de 70%.

Para obtermos teor de umidade de 14% (soja) se faz necessária uma umidade relativa de equilíbrio na faixa de 75%, enquanto para 12% de teor de umidade são necessários 65% de umidade relativa, conforme podemos observar na tabela de equilíbrio higroscópico (figura 05):

 

Tabela de equilíbrio higroscópico da soja.

 

Redução da Atividade de Água (Aw): mantendo-se o grão com teor de umidade de até 13% alcançamos também um valor de Atividade de Água (Aw) mais favorável à armazenagem e conservação.

Uma vez que para uma armazenagem segura a Atividade de Água deve se manter abaixo de 0,70 estamos assim entrando na faixa segura quando mantemos os grãos dentro do limite máximo de 13% de teor de umidade.

A Atividade de Água é obtida pela seguinte equação:

 

Aw = URe/100

Onde URe = Umidade relativa de equilíbrio.

 

Para armazenagem por períodos mais prolongados, é recomendável que a Atividade de Água esteja abaixo de 0,65 ou seja, grãos (de soja) com teores de umidade até 12% (umidade relativa de equilíbrio na casa de 65%).

 

Redução de perdas da armazenagem: certamente teremos também, com essa redução de 01 ponto percentual no teor de umidade, uma diminuição significativa de perdas durante a armazenagem as quais hoje, de acordo com levantamentos recentes realizados pela Conab, ficam na casa dos 3% a 4% (valores médios) do volume total armazenado.

Essa redução de perdas se dará, principalmente, pela redução da atividade metabólica dos grãos, retardando processos de deterioração e diminuindo a quebra técnica.

Além disso, teremos também a redução da atividade da microflora, uma vez que com índices de umidade mais baixos o desenvolvimento e proliferação de fungos e insetos é reduzido.

Esses são alguns dos benefícios proporcionados pela mudança no padrão de teor de umidade.

Não se faz necessário muito esforço para notar que o agro brasileiro tem oportunidades de ganho, podendo disponibilizar ao mercado um grão com maior qualidade, o que certamente culminará na valorização do produto.

Marcos Wendt

Instrutor do TAG Treinamento em Armazenagem de Grãos LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/marcoswendt/

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